Mayumi Souza Lima
- ACR 113
- 3 de jun. de 2022
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Atualizado: 18 de jul. de 2022

Mayumi Watanabe Souza Lima nasceu em 5 de Dezembro de 1934 em Tóquio no Japão. Ela e sua irmã migraram para o Brasil em Março de 1938 junto com seus pais, essa atitude foi reforçada por conta das perseguições do governo à intelectuais marxistas, já que eles constantemente participavam de organizações culturais de esquerda em Tóquio.
Com gosto para desenhar e utilizar dessa técnica para se comunicar, Mayumi ingressa no curso de Arquitetura na FAUUSP (faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo) em 1956 aos 22 anos. Um ano após sua formatura casou com o ex colega de turma Sérgio Souza Lima, que se tornou além de companheiro, um parceiro no trabalho.
Durante o período do curso ela realizou vários estágios que influenciaram que contribuíram para a sua carreira. Entre eles, no escritório de Vilanova Artigas, no escritório de Joaquim Guedes e no escritório de Lina Bo Bardi. Além disso, também participou de uma extensão universitária de introdução às ciências sociais na escola de Sociologia e política de São Paulo.
Seu mestrado em arquitetura foi um projeto da Unidade de Vizinhança de São Miguel, orientado pelo arquiteto João da Gama Filgueiras Lima, o Lelé em 1965. No mesmo ano, a profissional trabalhou na diretoria de planejamento do FECE (Fundo Estadual de Construção Escolares). Com foco em estudos de arquitetura destinada ao ensino fundamental e sobre sistemas construtivos regionais do Estado. Daí em diante, a Mayumi sempre voltou suas atividades e projetos mais para cunho social, escolas e urbanísticos.
A arquiteta tem uma extensa produção, que data do início da década de 1960, com sua formação, e vai até 1994, ano em que falece, foi marcada pelas escolas públicas construídas no estado de São Paulo. Também, trabalhou em diversos órgãos do estado e da capital, implementando projetos de construção de escolas de ensino infantil e primeiro grau que propusessem espaços educativos de qualidade, aliados à implantação de mobiliário urbano e equipamentos públicos.
Durante sua trajetória acadêmica e profissional, que mesclou arquitetura, educação e gestão pública, Watanabe propôs questões relativas ao uso do espaço da escola pública feito pelas crianças, os limites da concessão estatal de bens e serviços, a autonomia de comunidades populares e a utilização da arquitetura como instrumento de mudança social.
Durante sua permanência no Centro de Desenvolvimento de Equipamentos Urbanos e Comunitários (CEDEC), podemos destacar esses projetos:

<disponível em: Buitoni, Cássia Schroeder. Mayumi Watanabe Souza Lima: a construção do espaço para a educação / Cássia Schroeder Buitoni. --São Paulo, 2009.>
O estudo e trabalho de Mayumi perpassa o viés político, porque a mesma se vê como militante pela causa popular, e chegou a projetar vários espaços públicos, principalmente creches e escolas, apesar de, em vida, ter realizado somente algumas dessas obras.
Para Mayumi, o estudo do problema de habitação no Brasil já é forte em sua época, e a solução, para ela, é a utilização de blocos pré-moldados, mas essa técnica não foi para frente na construção da unidade habitacional.
O Plano Piloto
O plano piloto se constrói em volta da ideia de superquadras (assim como a nova cidade), onde os prédios estariam organizados de forma linear (hoje dispostos não linearmente mas obedecendo o princípio de uniformidade) e com uma circulação através de vias e ciclovias, sempre priorizando os pedestres.

Fonte: RECHST – Edição 2019, v. 8, n. 2, p. 131-149, ago.-dez. 2019
Vila São Miguel - Brasília
Ficha técnica
Local: Brasília DF
Ano: 1965
Tipologia de uso: residencial
O contraste obra vs. política pode ser observado no estudo da Vila São Miguel, analisado durante sua dissertação de mestrado da USP.
Por ser uma área vaga, sem muita construção, o espaço permitia grandes tentativas e projeções estéticas, e os conceitos projetuais do nascimento da capital brasileira se instaurou na concepção dos estudos dos blocos, pois as condições eram favoráveis para o desenvolvimento de novas técnicas.
As unidades foram construídas para abrigar os funcionários da Universidade de Brasília, sendo professores, diretores, faxineiros, etc.

Fonte: RECHST – Edição 2019, v. 8, n. 2, p. 131-149, ago.-dez. 201
No período de espaço do pensamento e execução do projeto houveram grandes contratempos, inclusive o golpe militar, que fez com que Mayumi se afastasse do então cargo que ocupava, forçando uma pausa na construção do projeto.
O projeto também contava com cinco prédios, sendo construídos somente três deles. A estrutura foi feita de armações de concretos lisas e longas, vigas paralelas por onde passam a tubulação, distribuindo a carga até o chão.


Fonte: RECHST – Edição 2019, v. 8, n. 2, p. 131-149, ago.-dez. 2019
Análise de planta e obra
A obra num geral traz uma representação de uma habitação no estilo do “brutalismo”, que é uma corrente do modernismo. Isso se dá pela utilização exagerada de concreto, até para a construção dos brises soleil, e o uso de forma geométricas grandes e simétricas, com a cobertura quadrada e pontiaguda. Esses elementos trazem um ritmo mecânico para a cidade, condizente com seu período de construção, de uma época moderna, onde o desenvolvimento tecnológico era ponto principal da sociedade, e esses avanços tinham que ser retratados também nas construções.
Um aspecto inovador dessa obra de Mayumi é a utilização de brises de concreto na fachada. Geralmente era usados cobogós na função de retenção de luz solar, porém na Vila São Miguel foram criadas barreiras de concreto verticais, do topo até o chão, para barrar os raios de incidência horizontal e amenizar o calor na parte interna da construção, por conter grandes aberturas de vidro.

<disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/revista/2014/04/13/interna_revista_correio,422513/sao-miguel-uma-unidade-de-vizinhanca.shtml.>
Além da inovação de usar brises ao invés de cobogós, um ponto particular desta obra é o aspecto de continuidade dos brises com os pilotis do térreo, melhorando a espacialidade da construção. Podemos ver essas colunas de concreto indo até o chão, dando uma percepção até confusa para os pedestres, pois não percebem que, realmente, o andar térreo é aberto e possui passagem, pois a fachada cheia de aberturas de vidro parece única.

<disponível em: https://www.archdaily.com.br/br/949245/apartamento-zero-zero-1-debaixo-do-bloco-arquitetura/5f7fe1d863c01700d500004a-apartamento-zero-zero-1-debaixo-do-bloco-arquitetura-foto>
A volumetria do projeto se dá pela percepção de grandes retângulos de concreto, desconstruídos em vãos, levantados sobres pilotis, que tem como uma de suas funções dar leveza à imagem, diferente de projetos que são retangulares de concreto até o chão, imprimindo uma reação de obra pesada.

Fonte: RECHST – Edição 2019, v. 8, n. 2, p. 131-149, ago.-dez. 2019
O grande volume de concreto é dividido em quatro áreas menores e simétricas, com um centro comum entre todos. Em cada uma dessas quatro áreas temos um apartamento, e no centro temos corredores com escadas de acesso, elevador e uma área de serviço comum.

Fonte: RECHST – Edição 2019, v. 8, n. 2, p. 131-149, ago.-dez. 2019
Cada apartamento possui a sua entrada principal num espaço aberto que contém a sala de estar e a sala de jantar. Todos também possuem dois quartos com dois banheiros (um deles sendo suíte), um banheiro lavabo, uma cozinha com área de serviço e uma suíte para os trabalhadores domésticos. Manter a área molhada de cozinha e serviço perto do centro da obra pode baratear seus custos de instalações hidráulicas, podendo ser uma das razões que Mayumi escolheu essa disposição.
EMEI VILA NOVA CURUÇÁ
Em 1989, à frente do Centro de Desenvolvimento de Equipamentos Coletivos – CEDEC, durante a gestão da prefeita Luiza Erundina, Mayumi desenvolveu a construção de escolas públicas a partir de elementos pré-moldados e mão de obra local e comunitária. Um exemplo de escola desenvolvida nesse período é a EMEI Vila Nova Curuçá, atual EMEI Fausto Ribeiro da Silva Filho. Localizada na zona leste de São Paulo, o edifício utiliza do sistema de componentes pré-fabricados de argamassa armada, baseados nos componentes desenvolvidos por João Filgueiras – ou Lelé, para a fábrica de equipamentos comunitários (FAEC), de Salvador.

Fonte: Conjunto de fotos do acervo do MEM (Memorial do Ensino Municipal)
FICHA TÉCNICA
Nome do Projeto: Escola Municipal de Educação Infantil – EMEI Vila Nova Curuçá
Local: São Paulo - SP
Ano: 1991
Tipologia de Uso: Uso Comunitário 1
Padrão Arquitetônico: Brutalismo
Órgão Responsável: Centro de Desenvolvimento de Equipamentos Coletivos – CEDEC, Prefeitura de São Paulo
Projeto de Arquitetura: Mayumi Watanabe de Souza Lima
Endereço: R. Alexandre Dias Nogueira, 365 - Vila Nova Curuca, São Paulo - SP, 08031-240
ANÁLISE DO PROJETO
Dado que a maioria das EMEI e EMPG construídas eram muito parecidas por conta do padrão de tamanho das salas de aula e disposição de espaços internos, a obra desviou da norma ao apresentar maior variação na organização dos volumes, atenção ao entorno e aos espaços de recreação.

<disponível em: Buitoni, Cássia Schroeder. Mayumi Watanabe Souza Lima: a construção do espaço para a educação / Cássia Schroeder Buitoni. --São Paulo, 2009.>
O projeto atende à população do bairro Vila Nova Curuçá, junto a outras 4 pré-escolas em seu entorno. O terreno do lote foi aplainado e taludes foram inseridos em seus limites. O prédio, que conta com acesso, 8 salas de aula, pátio, refeitório, playground; 6 sanitários, 1 cozinha com despensa, almoxarifado, manutenção, área de serviço e caixa d’água; além de sala dos professores, secretaria, coordenação e diretoria. As peças em argamassa armada por telas eletrosoldadas, posteriormente inovadas por Mayumi com a introdução de fibras de polipropileno, para a diminuição de custos, constituem e delimitam os espaços internos da escola.

<disponível em: https://www.archdaily.com.br/br/961042/tensoes-entre-teoria-e-pratica-movimentacoes-de-mayumi-de-souza-lima-no-periodo-da-redemocratizacao>
O acesso se dá por uma passagem com portão e teto de argamassa armada, que leva ao pátio e refeitório, centro de distribuição dos fluxos. Uma vez lá, o usuário pode seguir para o bloco longilíneo que acomoda as salas de aula ou para o setor administrativo e de serviços, divisão que segue lógica setorizada. A planta é modulada, característico de construções feitas a partir de pré-moldados.
Dispostos ao fundo, para chegar aos espaços de ensino é necessário passar pelo pátio, algo que fomenta a socialização entre alunos. O posicionamento desses em linha reta abre caminho para a construção de novas salas, se necessário. Além disso, a arquiteta prezou pelo contato do aluno com o exterior a partir da colocação de aberturas em todas as salas de aula. Uma grande área externa é equipada com brinquedos, ainda sem deixar de ter espaço livre para o lazer e conversa.
Espacialmente, o projeto preza por espaços abertos e fluidez na movimentação, aspectos que restringem menos a experiência corporal da criança. O prédio se concentra em um só volume, de um pavimento, o que dá caráter compacto e robusto para a edificação. Esse fator entra em contraste com a altura da caixa d’água e a dispersão das várias estruturas do playground, destacando suas formas imaginativas e cores primárias. A iluminação zenital em parte do pátio, aliada às aberturas estratégicas, trazem claridade e também desafiam o aspecto de “caixa” da edificação.

<disponível em: Buitoni, Cássia Schroeder. Mayumi Watanabe Souza Lima: a construção do espaço para a educação / Cássia Schroeder Buitoni. --São Paulo, 2009.>
A inovação na construção da escola se fez no desenvolvimento da linguagem visual com elementos gráficos desenvolvidos para o projeto, além de um folheto que resgatava a origem do nome do bairro - Curuçá é como os indígenas do grupo Guarani se referiam à cruz. Na execução da obra, Lima inovou ao propor a participação popular nos canteiros. Entretanto, a ação foi limitada, já que a fabricação e transporte das peças ficava a cargo de terceiros. A comunidade local teve seu trabalho reduzido à montagem – para isso sendo contratada temporariamente pela prefeitura.
Atualmente, a escola conta com alterações que descaracterizam a concepção original. Entretanto, segue funcionando e atendendo à população da região.

Fonte: Google Maps




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